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quinta-feira, 10 de julho de 2008

Face oculta dos progressos técnicos.




Os progressos técnicos, que toda a gente está confundindo cada vez mais com progresso humano, vão criar cada vez mais também um suplemento de ócio que, excelente em si próprio, porque nos aproxima exactamente daquele contemplar dos lírios e das aves que deve ser nosso ideal, vai criar, olhado à nossa escala, uma força de ataque e de triunfo; mais gente vai ter cada vez mais tempo para ouvir rádio e para ir ao cinema, para frequentar museus, para ler revistas ou para discutir política, e sem que preparo algum lhe possa ter sido dado para utilizar tais meios de cultura: a consequência vai ser a de que a qualidade do que for fornecido vai descer cada vez mais e a de que tudo o que não for compreendido será destruído; raros novos beneditinos salvarão da pilhagem geral a sempre reduzida antologia que em tais coisas é possível salvar-se.
O choque mais violento vai dar-se exactamente, como era natural, nos países em que existir uma liberdade maior; nos outros, as formas autoritárias de regime de certo modo poderão canalizar mais facilmente a Humanidade para a utilização desse ócio; sucederá, porém, o seguinte: nos países não-livres, porque nenhum há livre, mas enfim mais livres, algumas consciências se erguerão dos destroços e pacientemente, com todas as modificações que houver a fazer, converterão o bárbaro ao antigo e sempre eterno ideal de «vida conversável»; nos outros, a não sobrevir uma revolução causada pelo tédio ou pelo próprio desabar da outra metade do mundo, o trabalho será mais difícil porque se terá de arrancar os homens, no seu conjunto, à ideia de que o que vale é a segurança material, o conforto técnico e, se for possível, nenhum rumor de pensamento dialogado.
Esta não já invasão mas explosão de bárbaros terminará a nossa Idade Média, aquela que veio ininterruptamente, só superficialmente mudando de aspecto, desde o século III ou IV até nossos dias, e que se caracterizará talvez pelo esforço de fazer regressar o homem de uma vida social a uma vida natural.

Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'

5 comentários:

r disse...

verdadíssimo, mas arrancá-los a essa ideia de absolutização do valor material e do técnico, sem o dialógico, é uma árdua tarefa.
veja-se o exemplo dos sitemass educativos dos países ditos civilizados. pense-se, por exemplo, nesse contexto, da defesa actual para recolocar nesses sistemas as chamadas humanidades, o ensino da filosofia; os mesmos que, outrora, as expulsaram, porque urgia a «produção» de mão-de-obra eficaz e eficiente para o mercado de trabalho.
...... blá e blá, sim.
não é um comentário desviante, não!

r disse...

«Face oculta dos progressos técnicos.»


De que vale a técnica,, sem a «tecno-logia»?

Unknown disse...

SECÇÃO: A Palavra dos leitores


10 Jul 2008, 13:43h
Faltam-nos pessoas com uma visão global do país e do mundo.



Todas as escolas anunciam agora que preparam os seus alunos para o mundo do trabalho. Antigamente a escola era um local de aprendizagem. Agora querem transformá-la num gigantesco centro de formação. Ditames do mundo moderno que escraviza o homem mais e mais.


Ainda haverá cursos de filosofia? E quantos alunos terão? Haverá patrões a querer filósofos nas suas empresas? Os filósofos são para citar nos discursos. Para dar brilho ao que em nós é baço. Mas não devem ser muito produtivos numa empresa. É assim, não é?


E quem diz filósofos diz outros bichos-do-mato do conhecimento. Investigadores que não investiguem directamente para o aumento de produção e do lucro não são necessários.


Gosto de ver que há quem resista. Quem continue a estudar mesmo sem escola. Quem não se conforme. Quem tenha outros interesses para além dos interesses profissionais e que insiste em se interrogar sobre si próprio e sobre os outros. Sobre a vida. Sobre o conhecimento puro e simples. Faltam-nos sábios e sobram-nos tecnocratas. Há especialistas a mais neste mundo. Faltam-nos pessoas com uma visão global do país e do mundo.


João Marcelo Franco Ruíz

Fonte:O Mirante online

r disse...

Isto sim, é uma questão, verdadeiramente, pertinente.



Concretudes:

O país não quer gente com visões globais.
O país necessita de gente com visões gobais.
Os cursos universitários de Filosofia, encontram-se... hi-de ver.
A Universidade Católica Portuguesa, possui uma licenciatura em Filosofia e Gestão de Empresas. Hi-de verificar os empregadores desses jovens licenciados.
O sistema escolar do país, ainda agora está a formatar as tecnologias da informação como disciplina escolar, quando já se sabe que seria uma competência transversal e NUNCA para entrar no sistema (educativo) num modelo disciplinar (CADUCO, diga-se!!!!).
O país está chocado (ou não?), porque o tal exame, vejam só, nem tinha gramática. Começam sempre por cima... nem me apetece explicar.
Os grandes nomes da investigação científica, têm formação filosófica (vamos chamar-lhe assim)? Hi-de ver, ficais, provavelmente, surpreendidos.
Os grandes nomes da Economia, têm formação filo´sofica? Hi-de ver, ficais, provavelmente, surpreendidos.
Os grandes nomes do Direito, têm formação filosófica? Hi-de ver, ficais, provavelmente, surpreendidos.
Surpreendidos, ficarão os espíritos formatados a um modelo linear de pensamento que me causa náuseas. Náuseas!!

A empregabilidade do Licenciado em Filosofia, por esse mundo, não se reduz ao sistema educativo. Hi-de ver, também.

João Marcelo Franco Ruíz
Não necessita de ir verificar nada disso. Sabe-o!
A gentalha que prolifera, por aí, em dissertação de pseudo-discursos fulanizados à exaustão, à náusea, essa, devia verificar.

r disse...

O hi-de ver, expressa, obviamente, o longo caminho a percorrer, daí o uso de hífen. sei que me fiz entender, era apenas para reforçar.

Obrigada pelos dois copitos