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segunda-feira, 22 de junho de 2009

Ontem à Tarde um Homem das Cidades .




Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos ricos, que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.
(Mas eu mal o estava ouvindo.
Que me importam a mim os homens
E o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu — não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os
outros,
Quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer mais é perder isto, e ser infeliz.)
Eu no que estava pensando
Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas),
Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos
A esse entardecer
Não parecia os sinos duma capela pequenina
A que fossem à missa as flores e os regatos
E as almas simples como a minha.
(Louvado seja Deus que não sou bom,
E tenho o egoísmo natural das flores
E dos rios que seguem o seu caminho
Preocupados sem o saber
Só com florir e ir correndo.
É essa a única missão no Mundo,
Essa — existir claramente,
E saber faze-lo sem pensar nisso.
E o homem calara-se, olhando o poente.
Mas que tem com o poente quem odeia e ama?

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXXII"
Heterónimo de Fernando Pessoa

4 comentários:

Ava disse...

Manoel, amigo querido!

Acho que posso chamá-lo assim...rs

Como agradecer o carinho que sempre demonstra com suas palavras?

Na falta de não conseguir comentar Alberto Caieiros...

E nem me arriscaria...rs

Parabenizo-o pela escolha, de um poema que arremata com uma frase lindíssima...

"Mas que tem com o poente quem odeia e ama?"

Em resposta, apenas de dedico um verso dele:


"Procuro despir-me do que aprendi
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e ser eu..."


Esse desembrulhar é que complica... Uma super exposição da alma...


Compartilhar Caieiros ou FP é sempre um deleite!


Uma linda semana para voce!


Beijos avassaladores!

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
angela disse...

Interessantes as ideias do poema, diria aré que intrigantes,
beijos

Sandra disse...

Volto para ler seus trabalhos.
no momento eu vim agradecer o carinho deixado no blog da Isa.
Valeu fiquei muito feliz. Consegui resgatá-lo novamente.
Sandra