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quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Ler ou Copiar um Texto .




O efeito de uma estrada campestre não é o mesmo quando se caminha por ela ou quando a sobrevoamos de avião. De igual modo, o efeito de um texto não é o mesmo quando ele é lido ou copiado. O passageiro do avião vê apenas como a estrada abre caminho pela paisagem, como ela se desenrola de acordo com o padrão do terreno adjacente. Somente aquele que percorre a estrada a pé se dá conta dos efeitos que ela produz e de como daquela mesma paisagem, que aos olhos de quem a sobrevoa não passa de um terreno indiferenciado, afloram distâncias, belvederes, clareiras, perspectivas a cada nova curva [...]. Apenas o texto copiado produz esse poderoso efeito na alma daquele que dele se ocupa, ao passo que o mero leitor jamais descobre os novos aspectos do seu ser profundo que são abertos pelo texto como uma estrada talhada na sua floresta interior, sempre a fechar-se atrás de si. Pois o leitor segue os movimentos de sua mente no vôo livre do devaneio, ao passo que o copiador os submete ao seu comando. A prática chinesa de copiar livros era assim uma incomparável garantia de cultura literária, e a arte de fazer transcrições, uma chave para os enigmas da China.

Walter Benjamin, in 'Rua de Sentido Único'

6 comentários:

r disse...

A transcrição coloca uma questão pertinente...
parece indicar que é preferível copiar um texto do que ler um texto; copiar um texto produziria uma espéciie de penetração na alma e a prática de copiar livros (como na cultura chinesa) seria garantia de cultura literária.

Ora, esta ideia é, absolutamente, discutível, a começar no conceito de «cultura». O que será a cultura, para o autor do texto? A cultura é mera erudição?, saberes quantificáveis, no sentido em que, x copiou 1000 mil livros, pelo que, é mais culto do que y que, no mesmo tempo de existência, copiou, apenas, 500 livros?
Isto é um disparate!
O indivíduo pode percorrer os textos que entender, seja pela leitura ou pela cópia, sem, em momento algum, dialogar com esses textos. Se esse indivíduo, jamais dialogar com esses textos, nenhum deles, acrescentará, seja o que for, à narrativa desse indivíduo. Neste sentido, podia, perfeitamente, ter ficado quedo ou a dormir. O efeito seria, rigorosamente, o mesmo.


Copiar um texto pode facilitar a memorização, mas a mera memorização, sem competência discursiva ante o convite ao pensamento que o próprio texto suscita, serve pouco (diria: nada)à complexificação/desenvolvimento/busca de sentidos e significados, por parte da pessoa que copia.

Eu prefiro sempre a contemplação reflexiva à simples memorização. Obviamente que, sem a memória, isso não seria possível.
O texto é um convite ao pensamento. Sempre!, e nunca, em momento algum, serei mais ou menos culta por ter reproduzido este ou aquele texto...
Obviamente que estou a postular aqui a cópia como simples reprodução acrítica.

etc etc

r disse...

Ah!

O texto serve sempre para com ele linguajarmos/conversarmos. Esse é o motivo pelo qual venho ler este blogue, salvo o texto poético que percepciono, quase sempre (às vezes, não resisto), duma forma íntima (sente-se/pensa-se «para dentro») e penso duma grande inutilidade acrescentar-lhe sentidos, salvo para os partilhar não com ele, mas com os outros leitores.

O texto literário, filosófico, científico... pelo contrário, vejo-o, como possibilidade dialogante. D'outra modo, creio, não serve para nada.

penso eu de que
claro

Cristina Fernandes disse...

Entre o ler e o copiar... nesse encontro com as palavras que o percorre.
Um abraço e obrigado
Chris

Anónimo disse...

Walter Benjamin

Como eu sofri com este moço na faculdade.
Bjs.

Rui Silva Pires disse...

Boa noite, ultimamente tenho andado menos por aqui, ocupado noutros movimentos.
Mas, também por isso mesmo,

- Algum contributo especial para uma actividade logo à noite (02 de Outubro) denominada "Constância Cultural", espaço aberto para gostos e actividades culturais...
(In Campanha Autárquica)

Terei gosto em ser portador.

Graça Pereira disse...

Ler um livro, é entrar no espírito da história e do escritor É um caminhar em conjunto. Se tivernos o costume (saudável) de escrevermos (copiarmos) passagens que mais nos marcaram, para reler mais tarde, é claro que tudo fica mais memorizado e, provávelmente, nunca esqueceremos aquele livro.
Lembra-me de que quando era estudante do secundário, passava cábulas das reações quimícas que tanto detestava e, de tanto as ter copiado ainda hoje as sei!!
Um belo fim de semana e um beijo Graça