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quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Lúbrica .




Quando a vejo, de tarde, na alameda,
Arrastando com ar de antiga fada,
Pela rama da murta despontada,
A saia transparente de alva seda,
E medito no gozo que promete
A sua boca fresca, pequenina,
E o seio mergulhado em renda fina,
Sob a curva ligeira do corpete;
Pela mente me passa em nuvem densa
Um tropel infinito de desejos:
Quero, às vezes, sorvê-la, em grandes beijos,
Da luxúria febril na chama intensa...
Desejo, num transporte de gigante,
Estreitá-la de rijo entre meus braços,
Até quase esmagar nesses abraços
A sua carne branca e palpitante;
Como, da Ásia nos bosques tropicais
Apertam, em espiral auriluzente,
Os músculos hercúleos da serpente,
Aos troncos das palmeiras colossais.
Mas, depois, quando o peso do cansaço
A sepulta na morna letargia,
Dormitando, repousa, todo o dia,
À sombra da palmeira, o corpo lasso.

Assim, quisera eu, exausto, quando,
No delírio da gula todo absorto,
Me prostasse, embriagado, semimorto,
O vapor do prazer em sono brando;
Entrever, sobre fundo esvaecido,
Dos fantasmas da febre o incerto mar,
Mas sempre sob o azul do seu olhar,
Aspirando o frescor do seu vestido,
Como os ébrios chineses, delirantes,
Respiram, a dormir, o fumo quieto,
Que o seu longo cachimbo predileto
No ambiente espalhava pouco antes...
Se me lembra, porém, que essa doçura,
Efeito da inocência em que anda envolta,
Me foge, como um sonho, ou nuvem solta,
Ao ferir-lhe um só beijo a face pura;
Que há de dissipar-se no momento
Em que eu tentar correr para abraçá-la,
Miragem inconstante, que resvala
No horizonte do louco pensamento;
Quero admirá-la, então, tranqüilamente,
Em feliz apatia, de olhos fitos,
Como admiro o matiz dos passaritos,
Temendo que o ruído os afugente;
Para assim conservar-lhe a graça imensa,
E ver outros mordidos por desejos
De sorver sua carne, em grandes beijos,

Da luxúria febril na chama intensa...
Mas não posso contar: nada há que exceda
A nuvem de desejos que me esmaga,
Quando a vejo, da tarde à sombra vaga,
Passeando sozinha na alameda...

Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'

7 comentários:

Cris França disse...

Nossa meu amigo! que delícia de poema intenso...vou pesquisar para conhecer mais da obra do autor, obrigada! beijos

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
AFRICA EM POESIA disse...

Manuel
Tens razão o amor supera tudo

A tua imagem é belíssima.
Parabéns.

beijinhos

Ângela disse...

Oi Manuel!!!
Saudades de vim aqui...
Amei o poema e a linda imagem.
Um grande abraço, amigo.
Ângela

angela disse...

Muito bonito Manuel.
beijos

♥ ♥ Eu disse...

Lindooooo, não poderia ter sido feita uma escolha melhor.

mil beijos prá vc!

Anónimo disse...

Manuel,
eu já escrevi não um mais uns 5 e-mails e o último era tão grande que lembra o antigo testamento.
Não sei o que está acontecendo não.
Será que virei um span na sua caixa de mensagem.
Daqui a pouco vou te dar outro e-mail para ver se resolvemos o problema.