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terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A Verdade é um Modo de Estarmos a Bem Connosco.




Cada época, como cada idade da vida, tem o seu secreto e indizível e injustificável sentido de equilíbrio. Por ele sabemos o que está certo e errado, sensato e ridículo. E isto não é só visível no que é produto da emotividade. É visível mesmo na manifestação mais neutral como uma notícia ou um anúncio de jornal. Donde nasce esse equilíbrio? Que é que o constitui? O destrói? Porque é que se não rebentava a rir com os anúncios de há cento e tal anos? (Rebentámos nós, aqui há uns meses, em casa dos Paixões, ao ler um jornal de 186...). Mas a razão deve ser a mesma por que se não rebentou a rir com a moda que há anos usámos, os livros ridículos que nos entusiasmaram, as anedotas com que rimos e de que devíamos apenas rir. O homem é, no corpo como no espírito, um equilíbrio de tensões. Só que as do espírito, mais do que as do corpo, se reorganizam com mais frequência. Equilibrado o espírito, mete-se-lhe uma ideia nova. Se não é expulsa, há nela a verdade. Porque a verdade é isso: a inclusão de seja o que for no nosso mecanismo sem que lhe rebente as estruturas. Ou: a coerência de seja o que for com o nosso equilíbrio espiritual. A verdade é um modo de estarmos a bem connosco. Mas é um mistério saber o que nos põe a bem ou a mal. Os anúncios de há cem anos eram ridículos porque sim. Nos meus escritos de há anos, mesmo nos ensaios, aquilo de que me separo não são muitas vezes as ideias, a argumentação, mas um certo modo de se olhar para os argumentos, os problemas, um certo nível humano de encarar as coisas. Leio um ensaio de há vinte anos e sinto que eu tinha menos vinte anos. Há um nível etário para a mesma verdade nos existir. A verdade de que falei há vinte anos é-me exactamente a de hoje; e todavia há um desfasamento no modo como corri para ela e me entusiasmei com ela e me comovi com ela. Tudo agora me acontece ainda mas num registo diferente. Não é em si que as verdades envelhecem: é com as rugas que temos no rosto e na alma.

Vergílio Ferreira, in "Conta-Corrente 2"

4 comentários:

angela disse...

A alma enruga também...
triste verdade.
beijos

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Manuel
Adorei o texto...muito verdade.
Beijinhos
Sonhadora

Anónimo disse...

Agradeço sua visita e palavras...
Fiquei muito feliz em ler suas doces palavras...
Adoro visitar seu belo blog!
Sempre repleto de brilhantes textos...
Sua inspiração é maravilhosa, parabéns!
Deus abençoe você e sua família.
Beijos no coração.
Felicidades!
Com carinho,
CelyLua, amiga e fã do seu brilhante blog.

Graça Pereira disse...

"Tudo agora me acontece ainda mas num registo diferente". Completamente verdade. Mas não deixa de ser bom na mesma...tem é outras tonalidades. As rugas, vão aparecendo lentamente e, curiosamente,gosto delas! Dão-me um ar de fruto maduro!. As da alma,enquanto puder, lutarei para que nunca apareçam...
Gostei deste texto!
Um beijo
Graça