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terça-feira, 13 de julho de 2010

Quando Falo com Sinceridade não sei com que Sinceridade Falo




Não sei quem sou, que alma tenho.
Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou váriamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros).
Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpétuamente me ponta traições de alma a um carácter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho.
Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas.
Como o panteísta se sente árvore [?] e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada [?], por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço.

Fernando Pessoa, in 'Para a Explicação da Heteronímia'

4 comentários:

r disse...

Tenho sérias dúvidas se um heterónimo é uma máscara

aliás, reformulo: não é uma máscara.

eu não sinto nada que não tenha, múltiplos somos todos, acontece que este sabia escrever e a maioria de nós, não sabe.

Essência e Palavras disse...

A cara do meu momento.

muito bom gosto como sempre!

Um beejo ,

Regina Rozenbaum disse...

Manuel, poeta, amado!
Não sei quem sou...achei que sabia...não sei mais. "Tenho que ter paciência para não me perder dentro de mim: vivo me perdendo de vista. Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco-sem-saída."(Clarice Lispector)
Beijuuss n.c.

www.toforatodentro.blogspot.com

Manuela Freitas disse...

Gosto muito deste texto de Pessoa, ele diz exactamente o que eu penso! Não somos um, somos vários e eu às vezes fico a pensar quem em mim está a falar!..
Bj,
Manú