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sábado, 3 de julho de 2010

A Única Coisa Duradoura Que Podes Criar




A mamã costumava dizer-lhe que tinha muita pena. As pessoas tinham andado a trabalhar durante tantos anos para fazer do mundo um sítio organizado e seguro. Ninguém percebera como ele se iria tornar aborrecido. Com todo o mundo dividido em propriedades, com os limites de velocidade e as divisões por zonas, com tudo regulado e tributado, com todas as pessoas analisadas e recenseadas e rotuladas e registadas. Ninguém tinha deixado muito espaço para a aventura, exceptuando, talvez, a do género que se pode comprar. Numa montanha-russa. Num cinema. No entanto, isso seria sempre uma excitação falsa. Sabes que os dinossauros não vão comer os míudos. Os referendos recusaram com os seus votos qualquer hipótese de um desastre falso ainda maior. E porque não existe a possibilidade de um desastre verdadeiro, ficamos sem nenhuma hipótese de termos uma salvação verdadeira. Entusiasmo verdadeiro. Excitação a sério. Alegria. Descoberta. Invenção.
As leis que nos dão segurança, estas mesmas leis condenam-nos ao aborrecimento. Sem acesso ao verdadeiro caos, nunca teremos paz verdadeira.


A não ser que tudo possa ficar pior, nunca poderá ficar melhor.
Isto eram tudo coisas que a mamã lhe costumava dizer.
E dizia-lhe mais:
- A única fronteira que ainda tens é o mundo dos intangíveis, tudo o resto está demasiado controlado.
Aprisionado dentro de demasiadas leis.
Por intangíveis ela quer dizer a Internet, os filmes, a música, as histórias, a arte, os boatos, os programas de computador, tudo o que não é real. Realidades virtuais. Coisas imaginadas. A cultura.
O irreal é mais poderoso que o real.
Porque nada é tão perfeito como tu és capaz de imaginar.
Porque são só as ideias intangíveis, conceitos, crenças, fantasias que duram. A pedra esfarela-se. A madeira apodrece. As pessoas, bem, essas morrem.
Mas coisas tão frágeis como um pensamento, um sonho, uma lenda, essas continuam para sempre.
Se conseguires mudar a maneira como as pessoas pensam, dizia ela. A maneira como elas se vêem a si próprias. A maneira como vêem o mundo. Se fizeres isso, consegues mudar a maneira como as pessoas vivem as suas vidas. E isso é a única coisa duradoura que podes criar.

Chuck Palahniuk, in 'Asfixia'

14 comentários:

Ângela disse...

Olá meu amigo!!!
Passando por aqui para desejar um excelente fim-de-semana e aproveito para dizer que é sempre um prazer ler seus textos.
Beijinhos
Ângela Guedes

r disse...

Ninguém, pode, literalmente, mudar o pensamento a (de) outrém. A única coisa que se pode fazer é «mostrar mundos», perturbar significativamente outrém, a partir daquilo que esse outrém já é.


Achei de grande ironia a ilustração que escolheu para este «post».
Não há cousa mais morta que a escola actual: muda toda a gente para pior

Unknown disse...

Irónicamente previ esse comentário da sua parte em relação há ilustração.


jinho.

r disse...

eu sei.
tento não decepcionar as expectativas.

não corte os beijos ao meio.
a metade descompreende tudo

Um beijo, para si

Unknown disse...

Metade de um beijo é de quem o dá,a outra metade .é de quem o recebe...

Jinho.

r disse...

tenho os olhos
cheios de beijos-palavra
deve ser por isso
que sou miope
vejo pela metade
tenho de mudar as lentes.

Lua Nova disse...

A virtualização dos sentimentos, pior ainda, das sensações. A segurança de um mundo sem escolhas verdadeiras, sem riscos, sem medo. Um mundo morno, sem intensidades, sem apreenções, um mundo meio termo, meio vivo, meio morto.
Deus me livre.
O pensamento livre, a capacidade de escolher a própria vida, os próprios caminhos, as próprias emoções. Isso é viver.
Um ótimo fds.
Beijos.

Marilu disse...

Amigo Manuel, se conseguires mudar a cabeça de uma pessoa, já valeram todas as palavras que usastes e os mundos que mostrastes. Beijocas

Hélen Rezende disse...

Antes de ousarmos tentar modificar os pensamentos de alguém, façamos primeiramente em nós mesmos a diferença que pretendemos alcançar.

Em relaçao á analogia da imagem, penso que serve para refletirmos sobre a distancia que há entre a missao real das instituiçoes escolares e seus resultados concretos.

angela disse...

Não deixa de ter suas razões essa mami.
beijos

Manuela Freitas disse...

Que mamá terrível e que mundo chato!...
Resta-nos os sonhos...e o amor, toda a espécie de amor!...
Bj,
Manú

r disse...

'ta a dar algum jogo?
este post é que se tornou dura-douro

credo, já me doem os dedos de tanto clicar

r disse...

«Resta-nos os sonhos...e o amor, toda a espécie de amor!...»


Isto é um alicerce para a sub-alternidade

vou reler a Lua Nova

e fazer-me a vida. Hoje amanheceu de chuva, 'tá um dia engraçado para poeminhas de sonhar. Resta-me, ignorar o dia.

Vovó Noemia disse...

As mamas quase sempre têm razão! Um abraço!